Amelia Earhart é uma das personalidades mundiais que mais exercem fascínio entre as pessoas – mesmo se passando mais de 70 anos que não se tem nenhuma notícia dela. Aviadora pioneira, foi a primeira mulher a cruzar o Oceano Atlântico, como passageira e como piloto, dentre outros recordes. Em sua última empreitada, em 1937, tentou dar a volta ao mundo de avião, mas desapareceu completamente em uma das últimas etapas do trajeto, no meio do Oceano Pacífico. Nunca mais se soube dela. Teorias sobre o seu destino são traçadas até hoje.
Com uma história tão atribulada, era questão de tempo para que a história de Amelia Earhart fosse adaptada para o cinema. Antes, ela já havia se tornado tema de livros, episódios de seriados e filmes para a TV. Dirigido por Mira Nair e baseado em duas biografias sobre a aviadora, Amelia consegue o seu intuito – homenagear esta grande mulher do começo do século. Felizmente, essa homenagem não se converte em melodrama barato: Nair controla a trama com pulso firme e os momentos mais emotivos são sempre corretos, passando a mensagem sem exagerar.
Os roteiristas (Ronald Bass, vencedor do Oscar por Rain Man; e Anna Hamilton Phelan, indicada ao mesmo prêmio por Nas Montanhas dos Gorilas) optaram por focar na vida pessoal de Earhart (Hilary Swank) ao invés da profissional. Claro, os vôos, o planejamento, os projetos da aviadora estão todos no filme, mas, ao final da projeção, percebemos que o mais importante foi mesmo o relacionamento de Amelia com o marido George Putnam (Richard Gere) e a sua fibra moral.
Por isso, uma boa construção do personagem principal era essencial para o longa funcionar. E, nesse quesito, o roteiro acertou. Desde as primeiras cenas, conseguimos nos identificar com Amelia pela sua perseverança, força de vontade e, principalmente, coragem frente aos desafios mais mortais (se hoje voar pode ser perigoso, imaginem nos anos 20 e 30!). Cada frase proferida por ela impressiona, cada atitude nos faz admirá-la cada vez mais. Mesmo seus deslizes (como o caso extraconjugal que teve com Gene Vidal, papel de Ewan McGregor) são logo desenvolvidos e jogados no limbo pela dupla de roteiristas – o objetivo aqui é fazer o público se apaixonar por Amelia. Assim, esta se torna um pouco idealizada, mas o público já está cativado.
Obviamente, Hilary Swank também é responsável por acreditarmos em Amelia. Ela mergulha fundo no personagem, imitando até seu sotaque sulista (que não fica forçado). A sua brilhante interpretação torna Earhart uma mulher crível e carismática. Uma injustiça ela não ter sido indicada ao Oscar este ano… Talvez os 2 Oscars que ela já conquistou (por Meninos Não Choram e Menina de Ouro) tenham impedido a Academia de escolhê-la. Mas isso nunca impediu Meryl Streep de ser indicada todo ano, não é mesmo?
Insisto ainda na construção de personagem porque a trama não segue as regras comuns de uma biografia: mostrar o personagem na sua infância e suas influências, sua luta para chegar ao topo e, finalmente, suas conquistas sempre foi o modelo para a maioria das cinebiografias que vemos por aí. Aqui, Amelia começa como uma aviadora amadora que logo já fica famosa por ser a primeira passageira de vôo transatlântico. Sem grandes conflitos ao longo da fita, só o que pode segurar nossa atenção é a força de Earhart. Ou melhor, o que segura a atenção nos 90 minutos iniciais é a personagem – nos 15 finais, quem toma conta do filme é o suspense. Mira Nair dá um show de cinema ao mostrar, quase que em tempo real, a tentativa de Amelia de encontrar uma ilhota no Pacífico para reabastecer. Se não encontrasse, ficaria sem combustível no meio do oceano. Mesmo sabendo como a história acaba, não deixamos de ficar na ponta da cadeira, esperando um final feliz que nunca virá.
Mas Amelia não se restringe ao personagem. A reconstrução dos anos 20 e 30 são espetaculares, desde o figurino até os cenários. Dá mesmo para nos transportamos àquela época – um trabalho bonito, também esnobado pelo Oscar. Também temos uma ótima atuação de Richard Gere como o apaixonado marido de Earhart. Gere consegue criar um personagem forte e inescrupuloso no começo, mas que vai amolecendo até chegar ao ponto em que se dedica totalmente à esposa. Bela atuação, e surpreendente, porque nunca o considerei um ator excelente – no máximo, satisfatório.
Graças a diversos fatores, Amelia, que tinha tudo pra não funcionar, funciona. Em pouco menos de duas horas, passamos a admirar esta mulher que abriu a porta para as mulheres que queriam pilotar aviões e deixou sua marca na História. E, de quebra, o filme contribui para que mais pessoas possam tentar desvendar o mistério que desafia tantas pessoas há mais de 70 anos – o que aconteceu com Amelia Earhart?
FICHA TÉCNICA
Título original: Amelia Ano de lançamento: 2009 Direção: Mira Nair Produção: Lydia Dean Pilcher, Kevin Hyman, Ted Waitt Roteiro: Ronald Bass e Anna Hamilton Phelan Elenco: Hilary Swank (Amelia Earhart), Richard Gere (George Putnam), Ewan McGregor (Gene Vidal), Christopher Eccleston (Fred Noonan) Nota: 7.0