Chico Xavier (Dir: Daniel Filho)

11/04/2010

Créditos: Fundação Espírita Caminho de Luz

Não há como negar que o cinema brasileiro está em franca ascensão. Desde a retomada da produção cinematográfica, com o lançamento de Carlota Joaquina – Princesa do Brazil (1995), de Carla Camurati, cada vez mais filmes são produzidos por aqui. Chegamos ao ponto em que tanto filmes “cults”, voltados para festivais, quanto produções comerciais existem em quantidade razoável no mercado. É claro que ainda falta muito para que nosso cinema se classifique como indústria: é preciso de mais diretores, atores, estúdios, e principalmente dinheiro (e isso nós não temos). Mas, pelo menos, estamos no caminho.

É essa evolução que permite uma maior variedade de temas dentre os filmes produzidos anualmente, e que possibilitou a filmagem de Chico Xavier, uma biografia de um médium, em um país predominantemente católico, mas cada vez mais aberto ao espiritismo. O filme consegue contar com emoção e beleza a vida dessa figura importante de nossa História, mesmo apresentando algumas falhas que prejudicam o produto final. No entanto, quaisquer erros cometidos pelo diretor Daniel Filho passaram batido pelo grande público – Chico Xavier é agora o detentor do recorde de filme mais assistido em seu final de semana de estreia: 590.000 pessoas foram conferir a obra! O filme desbancou Se eu Fosse Você 2, também de Filho, que levou 560.600 pessoas ao cinema nos primeiros três dias em cartaz.

Às várias pessoas que tem certo preconceito contra filmes nacionais, digo que Chico Xavier é bom, podendo ser uma boa forma de passar o tempo e conhecer um pouco mais sobre a vida dele. Baseado no romance do jornalista Marcel Souto Maior, intitulado As Vidas de Chico Xavier, a produção é eficaz no sentido que, selecionando apenas alguns períodos da vida do médium, nunca fica arrastada ou monótona. Foram colocadas na tela as épocas que eram estritamente necessárias para que o público compreendesse quem foi Chico. Nós o vemos criança (Matheus Costa), descobrindo a mediunidade e sofrendo com isso; depois passamos à idade adulta (Ângelo Antônio), quando ele abre seu centro espírita. O Chico maduro, vivido por Nelson Xavier, sempre aparece num vai e vem de segmentos, que recriam uma entrevista que ele deu a um programa de TV. Ao todo, apenas 38 dos 92 anos de Chico são transpostos para a tela, mas é mais do que suficiente para conhecermos a fundo não só sua generosidade, sua caridade, humildade, mas também seus medos e problemas (afinal, ele poder ter sido Chico Xavier, mas era antes disso, um ser humano, não?).

Daniel Filho, que até agora nunca mostrou o domínio de técnicas cinematográficas mais refinadas (talvez seja pelo seu passado como diretor de novelas e minisséries?), conseguiu atingir em Chico Xavier uma estética que não se viu em nenhum de seus filmes anteriores. Os enquadramentos não são nada óbvios: ao contrário, realçam a beleza dos cenários interioranos de Minas Gerais, e intensificam o lirismo das cenas que envolvem aparições de espíritos ou psicografias. O trabalho de fotografia também contribui para a beleza dessas cenas, usando uma palheta de cores que, embora saibamos que é artificial, não deixamos de admirá-la. Com apenas oito filmes no currículo, Daniel Filho está melhorando como diretor, mas ainda comete erros. Um exemplo é a montagem, que muitas vezes se mostra incômoda para o público, com transições bastante radicais. O principal exemplo desse deslize é quando passamos de uma cena do Chico de Ângelo Antônio ou Matheus Costa para o programa de TV em que ele conta sua vida, já como Nelson Xavier. De um plano elaborado, colorido e geralmente silencioso, passamos para a estática e o chiado da televisão de uma vez. Tal decupagem é no mínimo descuidada.

Chico Xavier conta ainda com um elenco afiado. Embora composto praticamente de globais, a maioria dos atores está inspirada. Aqui percebemos a mão de Daniel Filho, que usou sua experiência em novelas para dirigir os atores com grande competência. Os três atores que interpretam Chico estão à vontade em seus papéis (mas Nelson Xavier poderia ter aparecido mais, visto que é o mais talentoso dos três), mas são os coadjuvantes que brilham. Pedro Paulo Rangel, Letícia Sabatella, Luís Melo, Giovana Antonelli e Giulia Gam aparecem pouco, mas estão fascinantes.  

Por enquanto, tá tudo muito bom, tá tudo muito bem. Mas Chico Xavier tem duas falhas graves que, se não prejudicam a história em si, fazem com que o filme perca parte de sua qualidade como obra cinematográfica. A primeira é que há um esforço para opor o catolicismo ao espiritismo. A figura do padre interpretado por Cassio Gabus Mendes é praticamente transformada em vilã lá pelas tantas do filme. Assim, as relações intrínsecas do filme tornam-se maniqueístas, o que o deixa demasiadamente simples. Prefiro muito mais a forma como a religião católica foi tratada em Bezerra de Menezes – Diário de Um Espírito (2008), de Glauber Filho e Joe Pimentel: foram traçadas as semelhanças entre uma e outra, e não suas disparidades. Vale lembrar que Bezerra foi uma produção de baixo orçamento, mas que se tornou um sucesso inesperado. O bom desempenho do filme pode ter inspirado a realização de Chico Xavier.

A segunda falha foi a trama paralela que existe no filme: o diretor do programa de TV (Tony Ramos) que Chico está participando perdeu o filho. Sua mulher (Christiane Torloni) tenta se comunicar com o falecido, e é Chico Xavier que trará algumas respostas aos dois. Mesmo sendo baseado em um caso real, essa história destoa do tom adotado pelo filme inteiro. O filme estava sendo construído simplesmente como uma biografia de Xavier, não de suas influências na sociedade. Como esta parte toma muito tempo do filme, acaba prejudicando seu ritmo. É também nesta parte que o filme quase se torna um dramalhão mexicano, não fosse a soberba atuação de Tony Ramos. Além disso, essa história dentro da história contribui para mostrar que a mediunidade de Chico é verdadeira, em vez de deixar algumas dúvidas na mente do leitor. Afinal, a própria sinopse e os primeiros minutos do filme aparentemente apostam na dúvida sobre a veracidade do médium. O segmento serve apenas para mostrar que Chico não é uma farsa, não sobrando espaço para debate – soa impositivo demais. Neste ponto, biografias como Ghandi (1982), de Richard Attenborough, são mais atraentes: elas constrõem o personagem a partir de uma dubiedade. No caso de Ghandi, o personagem principal é mostrado como sendo um homem bom e ao mesmo tempo alguém que gerou grandes problemas com a criação do Paquistão, em 1947.

Se você não conhece a história de Chico Xavier ou quer saber mais sobre ela, então assistir ao filme é uma ótima oportunidade. Só não espere uma obra-prima do cinema nacional…

FICHA TÉCNICA

Título original: Chico Xavier
Ano de lançamento: 2010
Direção: Daniel Filho
Produção: Daniel Filho
Roteiro: Marcos Bernstein
Elenco: Nelson Xavier (Chico Xavier 1969-1975), Ângelo Antônio (1931-1959), Matheus Costa (1918-1922), Tony Ramos (Orlando), Christiane Torloni (Glória).
 
Nota: 6.0