Ladrões de Bicicleta (Dir: Vittorio De Sica)

30/05/2010

Créditos: Legal Movie Downloads

Miséria. Falta de perspectiva ou esperança. Desespero. Estes são três de muitos temas retratados pelo grande clássico Ladrões de Bicicleta. Todos bastante pesados e que podem não agradar a todos, mas não há como negar: ele é um dos filmes mais impactantes e emocionantes que existem. Não é à toa que se tornou a obra mais conhecida do Neo-realismo Italiano, tendência de alguns cineastas (não gosto do termo movimento nesse caso em particular, pois foi algo espontâneo e não planejado) que passaram a filmar uma Itália que lutava para se recuperar dos danos da Segunda Grande Guerra. Sempre lidando com a falta de recursos, eles saíam às ruas para filmar o próprio povo, seu sofrimento e pobreza. A dramaticidade e a força dos filmes neo-realistas até hoje não diminuíram, principalmente a de Ladrões de Bicicleta. Baseado num romance de Luigi Bartolini, o relato comovente de Vittorio de Sica provou-se bem mais resistente à ação do tempo que muitos outros filmes do mesmo período. Mas por que?

Ladrões de Bicicleta, antes de mais nada, é a história de uma família. E muito bem contada, por sinal, porque já nos primeiros minutos, passamos a nos importar com ela. Isso já é meio caminho andado para um bom filme. Antonio (Lamberto Maggiorani) está desempregado, assim como boa parte da população italiana no pós-guerra. Milagrosamente, ele consegue um emprego estável como colador de cartazes, mas um dos requisitos é ter uma bicicleta, que ele não tem. Sua mulher Maria (Lianella Carell), então, penhora os lençóis da família para que o marido comprasse de volta a sua velha bicicleta na mesma casa de penhores. Quando a sorte parecia sorrir para a família, eis que no primeiro dia de trabalho, Antonio tem sua bicicleta roubada. No dia seguinte, junto com seu filho de 9 anos Bruno (Enzo Staiola), ele passa a procurar por ela por toda a Roma. 

Ao mesmo tempo que nos faz compadecer do estado paupérrimo em que vivem os personagens principais, a produção choca por vermos a injusta conseqüência que a guerra trouxe ao povo: um cenário desolado e sem oportunidades, em que nada parece dar certo para ninguém. A história de Antonio representa muito bem o que acontecia às pessoas daquele tempo. Ladrões de Bicicleta não é apenas uma história de busca, é um depoimento de como o sofrimento de uma população pode chegar a níveis inimagináveis. A cada local visitado por Antonio e Bruno, testemunhamos vários outros exemplos de como a família retratada do filme é só uma no meio de tantas miseráveis: vemos uma senhora que vive num pequeno quarto com outras três pessoas; um velho que depende de missionários para se sustentar; dois meninos mendigando por trocados; o próprio Bruno, em vez de ir à escola, trabalha de engraxate para ajudar a família… E isso que não mencionei os “figurantes” do filme, na verdade o verdadeiro povo italiano, que muitas vezes nem sabiam que uma filmagem estava ocorrendo. Eles são a verdadeira face da miséria, do desespero, da falta de perspectiva – isso é sentido por nós, a cada segundo de projeção, a cada fotograma.

A jornada do pai e seu filho também serve ao propósito de mostrar a verdadeira natureza do homem, independentemente do período em que ele é retratado. Os bombardeios destruíram não só as construções, mas também tornaram fúteis as inócuas regras de etiqueta, assim como a “moral e bons costumes”. Depois de anos de destruição, a população passou a adquirir instintos de auto-preservação, e o sentimento de solidariedade minguou consideravelmente. As poucas pessoas que se dispõem a ajudar Antonio e Bruno a achar a bicicleta logo vão embora, deixando-os sempre sós no final das contas. A maioria os trata com indiferença ou desrespeito – tem seus próprios problemas para resolver, ou sabem que nada ganhariam ajudando dois miseráveis. Nem mesmo as crianças se comportam diferentemente – veja a cena do restaurante, em que um garoto rico olha com desdém para Bruno enquanto come um banquete junto de sua família.

E, no meio desse ambiente pútrido, emergem duas figuras que nos hipnotizam por toda a projeção: Antonio e Bruno. A determinação dos dois em tentar encontrar uma simples bicicleta, mas que para eles tem importância vital, confunde-se com o desejo do público de que o objeto volte para as mãos de seus donos. A jornada dos dois é a mesma que a da platéia, causando um sentimento de identificação que cada vez mais raramente se encontra no cinema. E essa relação não poderia ter sido alcançada, não fosse a magistral interpretação de Maggiorani e Staiola. Ambos atores amadores (assim como o resto do elenco – filmes neo-realistas raramente contavam com intérpretes profissionais), conseguiram passar com precisão o turbilhão de emoções pelo qual os personagens passam durante o filme. Os dois provavelmente enfrentavam os mesmos problemas de seus personagens – seria esse o motivo da autenticidade de suas interpretações? Não sei, mas o que sei é que Maggiorani tornou-se a personificação da melancolia, da impotência perante os problemas sociais, da luta diária do povo. Já Staiola, que rouba sempre a cena com sua carinha angelical e inocente, interpreta Bruno com uma sensibilidade que não se vê sempre em atuações infantis. Os dois atores dão verdadeiros tours-de-force, e contribuem para que o filme ganhe força dramática.

Assim como as outras obras do Neo-realismo, Ladrões de Bicicleta beira a precariedade técnica. O som muitas vezes é falho, a fotografia é praticamente feita com luz ambiente…mas o que isso importa, mesmo? Quase nada, a não ser para demonstrar como as vacas também estavam magras até para os cineastas. Em Ladrões de Bicicleta a mensagem poderosa é o que nos faz ficar com os olhos grudados na tela, torcendo, lamentando, rindo para não chorar… Ele nos emociona, enfim. E isso é cinema da melhor espécie.

Título original:  Ladri di Biciclette
Ano de lançamento: 1948
Direção: Vittorio De Sica
Produção: Giuseppe Amato, Vittorio De Sica
Roteiro: Cesare Zavattini, Suso Cecchi d’Amico, Vittorio De Sica, Oreste Biancoli, Adolfo Franci, Gerard Guerrieri
Duração: 90 minutos
Elenco: Lamberto Maggiorani (Antonio), Enzo Staiola (Bruno), Lianella Carell (Maria)
Indicações ao Oscar: Melhor Roteiro (Obs: O filme também ganhou um Oscar Honorário por ter sido o melhor filme estrangeiro lançado nos EUA no último ano – a categoria competitiva para essas produções ainda não exisitia)
 
Nota: 10.0