Alice no País das Maravilhas (Dir: Tim Burton)

25/04/2010

Créditos: Holy Junk

Em entrevista, o diretor Tim Burton afirmou que tentaria não só fazer uma releitura do clássico da Disney Alice no País das Maravilhas, como de todas as adaptações da obra de Lewis Caroll para o cinema! Segundo o diretor, nenhuma delas o impressionou emocionalmente, pois todas contavam apenas a história de uma menina que ia conhecendo uma criatura bizarra após a outra, sem uma linha narrativa. Por isso, Burton decidiu por criar uma história que ligasse todos estes encontros de Alice. Por incrível que pareça, a trama criada para essa Alice é seu calcanhar de Aquiles. A nova roupagem dos personagens e a complexa direção de arte são, na verdade, o que fazem o filme valer a pena.

Esta é uma das adaptações mais livres da história. Para começar, Alice (Mia Wasikowska) não é mais criança. Com 19 anos, está prestes a ficar noiva de um homem que odeia. Ela também não se lembra que já visitou o País das Maravilhas, acreditando que todas as suas aventuras não passaram de um sonho. Quando vê um coelho branco (Michael Sheen) entrando numa toca, a moça o segue e vai parar mais numa vez naquele mundo fantástico. Lá, descobre que a tirana Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) está aterrorizando o lugar e só ela pode vencê-la.

O problema com esta sinopse é que ela é convencional e previsível demais, características que até agora não faziam parte da filmografia de Tim Burton. Ele conseguia transformar o lugar-comum, o clichê em fantástico, absurdo, com um toque sarcástico, irônico, sombrio e ainda assim, emotivo. Seus melhores filmes fazem uso dessa “fórmula”: Ed Wood (uma biografia atípica, mas hilária e emocionante ao mesmo tempo), Edward Mãos de Tesoura (uma fábula dark) e Peixe Grande (um desfile de contos de fada excêntricos). Já em Alice, vemos a Disney estampada em cada minuto de projeção. A moça, quando chega ao País insegura e temerosa, descobre que precisa se tornar uma guerreira e matar o Jaguadarte, monstro controlado pela Rainha Vermelha. Para isso e para poder retomar sua vida no “mundo real”, terá que superar seus medos.

Ou seja, a narrativa, tão cara a Burton, tornou-se isso? Uma simples jornada de auto-descoberta que já vimos milhões de vezes antes, encapada por um convencional terceiro ato voltado para cenas de ação? Ver Alice lutar com o Jaguadarte foi estranhíssimo (e não de um modo bom, como nas outras obras de Burton), porque essa história não foi concebida desse modo. Alice, uma guerreira? Bastante forçado, talvez para atrair crianças e jovens. Mais forçado ainda é a paixão velada que Alice e o Chapeleiro Maluco (o astro Johnny Depp, que pela sua fama tem seu personagem aumentado de maneira excessiva) sentem um pelo outro. Burton talvez não tenha percebido que apenas a sucessão dos encontros de Alice já era o suficiente para a história funcionar. Por isso o filme da Disney é considerado um clássico, assim como Mogli – O Menino Lobo, que tem uma narrativa semelhante. É claro que Burton tem o talento necessário para criar uma história em cima de Alice e seus excêntricos amigos, mas esta definitavamente não é das melhores.

Li várias outras críticas dizendo que Alice no País das Maravilhas tinha muito pouco de Burton. Pelo menos em termos de história, eu tenho que concordar. Tudo no filme tem o “padrão Disney de contar histórias”. Não é à toa que o roteiro é assinado por Linda Woolverton, que já escreveu o roteiro de O Rei Leão e ajudou a criar as histórias para Mulan e A Bela e A Fera. Estes três filmes até que são razoáveis, com algumas ideias interessantes, mas Woolverton, ao que parece, está esgotada de boas sacadas. E Burton também não está em seu momento mais inspirado.

O que salva Alice da total mediocridade são justamente a construção dos habitantes do País. Cada um deles tem algo interessante a acrescentar, seja pelo visual criativo, seja por falas hilárias, desconexas e inteligentes. Não tem como não gargalhar com a Lebre, o Ratinho e o Chapeleiro, ficar impressionado pela forma arrendondada dos gêmeos Tweedledee e Tweedledum (ambos interpretados por Matt Lucas) e até mesmo, pela primeira vez, se compadecer pela Rainha Vermelha. Temos também um simpático Gato Sorridente (Stephen Fry) e uma afetada, mas doce Rainha Branca (Anne Hathaway). Aqui, sim, Burton e Woolverton acertaram a mão: criaram personagens complexos, dando-lhes autenticidade além de suas formas esquisitas. O cuidado com este aspecto mantém o interesse do espectador muito mais do que a jornada boba de Alice contra a Rainha e seu Jaguadarte.

A própria Alice, infelizmente, é uma das mais sem graça do longa. A culpa talvez nem seja tanto do roteiro (mas que poderia tê-la desenvolvido melhor), e sim da atriz, Mia Wasikowska, que não impõe personalidade nenhuma à protagonista, e por isso, não convence. O mesmo não pode ser dito da maioria dos coadjuvantes, que estão perfeitos em seus papeis. Bonham Carter rouba a cena como a Rainha; Alan Rickman, que só pôde fazer uso de sua voz, consegue passar com eficiência a rispidez e sabedoria da lagarta; e, claro, Johnny Depp, mais maluco do que nunca, é o destaque (mas reitero que sua participação poderia ser menor – as cenas que insinuam o romance dele com Alice deveriam ter ficado todas no chão da sala de edição).

O que também chama a atenção em Alice é a direção de arte – com o perdão da expressão, um banquete para os olhos. Cada cenário gerado por computador é excepcional, com tantas nuances e cuidado em sua criação que te faz ficar deslumbrado. Para se criar elementos fantásticos, passíveis de existirem apenas no País das Maravilhas, só tendo muita criatividade mesmo. E isso Burton tem de sobra. A ideia de filmar o filme do modo convencional e depois converter tudo em 3D, ao contrário do que possa parecer, foi acertada. Os efeitos clássicos (com objetos saindo da tela) e de profundidade estão presentes por todo o filme. Eles, além de divertir, contribuem, e muito, para o visual de Alice.

O filme consegue atingir seu objetivo, que é entreter crianças e adultos. Apenas lamento que, sendo esta uma criação do grande Tim Burton, Alice no País das Maravilhas poderia ter alcançado níveis mais complexos em matéria de conteúdo. Se a forma é bela, mas o conteúdo é vazio, a força da obra cinematográfica é cortada pela metade.

FICHA TÉCNICA

Título original: Alice in Wonderland
Ano de lançamento: 2010
Direção: Tim Burton
Produção: Joe Roth, Jennifer Todd, Suzanne Todd, Richard D. Zanuck
Roteiro: Linda Woolverton
Duração: 108 minutos
Elenco: Mia Wasikowska (Alice), Johnny Depp (Chapeleiro), Helena Bonham Carter (Rainha Vermelha), Anne Hathaway (Rainha Branca), Crispin Glover (Stayne).
 
Nota: 6.5